O Senado Federal aguarda, desde 18 de junho de 2025, o despacho para votação do Projeto de Lei nº 2994/2025 — uma proposta que, se aprovada, pode mudar radicalmente a lógica do sistema prisional brasileiro. O texto, apresentado pelo próprio Senado, quer que detentos ressarciam parte dos custos de sua manutenção ao Estado. Sim, você leu certo: presos poderiam ter parte de seus salários de trabalho ou bens apreendidos usados para pagar por alimentação, segurança, saúde e até energia elétrica dentro dos presídios. A ideia não é punir mais ainda, mas equilibrar contas públicas — e, ao mesmo tempo, dar sentido ao trabalho na prisão.
Um sistema que custa bilhões e não funciona
O Brasil gasta cerca de R$ 15 bilhões por ano para manter seus presídios, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). E o resultado? Superlotação em 87% das unidades, segundo levantamento de 2024. Em alguns estados, como o Pará e o Maranhão, uma cela de 8m² abriga até 30 pessoas. O Funpen — o Fundo Nacional de Apoio à Assistência Social — hoje destina apenas 15% de seus recursos à infraestrutura prisional. O projeto quer elevar esse percentual para 30%, liberando R$ 1,2 bilhão anuais para reformas, construção de novas unidades e, principalmente, espaços para trabalho.Isso não é só questão de dinheiro. É questão de humanidade. Um detento que trabalha tem 30% menos chance de reincidir, segundo estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) de 2023. Mas hoje, menos de 10% dos presos no Brasil têm acesso a atividades produtivas. Muitos passam o dia inteiro sem fazer nada. O projeto quer mudar isso: obriga a criação de oficinas, cursos e parcerias com empresas privadas dentro dos presídios. Não é caridade. É estratégia.
Por que isso já foi tentado antes — e falhou
A ideia de cobrar dos presos não é nova. Em fevereiro de 2020, o Senado chegou a marcar votação para um projeto semelhante. Mas foi engavetado. A pressão de entidades de direitos humanos, que chamaram a proposta de "pena adicional", e a falta de mecanismos claros para cobrança acabaram derrubando o texto. Agora, o PL 2994/2025 tenta contornar esses erros. Não estabelece valores fixos — isso é intencional. Em vez disso, cria um sistema de cálculo proporcional: quanto o preso ganha com trabalho, quanto tem em conta ou bens, quanto o Estado gasta por detento. O valor a ser ressarcido seria definido por juízes, caso a caso. E só após a condenação definitiva."Não se trata de transformar a prisão em uma fábrica de dívidas", explicou em sessão o senador Alvaro Dias, autor do projeto. "É sobre responsabilidade. Se alguém escolhe cometer crime, não pode esperar que a sociedade pague por sua manutenção indefinidamente. Mas também não queremos que ele saia da prisão mais pobre e mais perdido. Por isso, o trabalho é o centro disso tudo."
Como funcionaria na prática?
Imagine um preso que trabalha em uma costura dentro da unidade, ganhando R$ 400 por mês. O Estado gasta, em média, R$ 1.800 por mês com ele — comida, segurança, saúde, água, luz. O projeto permite que até 40% do salário (R$ 160) seja descontado para cobrir parte desse custo. O restante, R$ 240, fica com o detento. Ele pode usar para comprar roupas, alimentos complementares ou poupar para quando sair. Se ele não trabalha? Nada é descontado. A cobrança só ocorre se houver renda.As parcerias público-privadas também são uma peça-chave. O governo poderia ceder terrenos ou edifícios desativados para empresas construírem e administrarem presídios, com contratos de 15 a 20 anos. Em troca, elas teriam direito a uma parte do ressarcimento. É como um "PPP prisional" — algo já feito com sucesso em países como a Austrália e a Nova Zelândia, onde a reincidência caiu em até 25%.
Reações e riscos
A Associação Brasileira de Magistrados apoia a proposta, mas pede "mecanismos de fiscalização rigorosa". Já a Comissão de Direitos Humanos da OAB alerta: "Não podemos permitir que a prisão vire um negócio de lucro, onde o preso é visto como fonte de receita, não como sujeito de direitos."Outro risco: e se o preso não tiver nada para pagar? O projeto prevê que, nesses casos, o débito seja suspenso e reavaliado ao longo do cumprimento da pena. Não há prisão por dívida. E o dinheiro arrecadado só pode ser usado para melhorar a própria estrutura prisional — nada de desviar para saúde ou educação.
O que vem a seguir?
O projeto está parado no Plenário do Senado desde junho. Sem data para votação. Mas a pressão cresce: estados como São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul já apresentaram propostas estaduais semelhantes. Se o Senado aprovar, a Câmara terá 90 dias para votar. Caso contrário, o texto morre.Na prática, isso é uma aposta: se o trabalho na prisão for valorizado, se os recursos forem bem aplicados, e se a cobrança for justa, o sistema pode se tornar mais eficiente — e mais humano. Se não, corre-se o risco de criar um novo tipo de castigo, disfarçado de economia.
Frequently Asked Questions
Quem vai pagar pelos custos da prisão, exatamente?
Apenas presos que tenham renda — seja por trabalho dentro da unidade, bens apreendidos ou depósitos em conta. O valor descontado será proporcional ao que o Estado gasta (em média R$ 1.800/mês) e ao que o detento ganha, com limite de 40% do salário. Quem não trabalha ou não tem recursos não paga nada. A cobrança só ocorre após condenação definitiva e é decidida por juízes.
O Funpen realmente vai aumentar sua verba para presídios?
Sim. O projeto altera a Lei Complementar nº 79/1994 para elevar de 15% para 30% o percentual do Funpen destinado à infraestrutura prisional. Isso significa R$ 1,2 bilhão a mais por ano, só desse fundo, para construção, reforma e manutenção de presídios. O dinheiro não pode ser usado para outros fins — só para melhorar as condições de vida e trabalho dos detentos.
Isso não é uma forma de escravidão moderna?
Não, se for bem aplicado. O projeto exige que o trabalho seja voluntário, remunerado e com direitos trabalhistas básicos — jornada de 6h, descanso semanal, férias e FGTS. O objetivo é evitar que o preso fique ocioso, o que aumenta a violência e a reincidência. Países como Canadá e Alemanha já usam modelos semelhantes com sucesso. O risco está na má gestão, não na ideia em si.
O que acontece se o projeto for aprovado e depois o preso sair e não conseguir emprego?
O débito não é cobrado após a liberação. A proposta prevê que o valor devido seja suspensão enquanto o ex-detento estiver em liberdade condicional. Se ele conseguir emprego, pode optar por quitar a dívida em parcelas. Mas não há cobrança judicial ou bloqueio de documentos. O foco é reinserção, não perseguição.
Por que esse projeto não foi votado ainda?
O Plenário do Senado está com a pauta lotada. O projeto está em "aguardando despacho" desde 18 de junho de 2025. A falta de urgência política e o temor de críticas de direitos humanos adiam a votação. Mas com a crise fiscal dos estados e a alta da violência, a pressão para aprovar algo — mesmo que imperfeito — está crescendo.
Como esse projeto se compara com outras reformas prisionais no mundo?
Na Noruega, presos trabalham em oficinas e recebem salários que cobrem suas despesas, com sobra para poupança. Na Coreia do Sul, 70% dos detentos têm acesso a educação e trabalho. O Brasil, com 800 mil presos e apenas 10% em atividades produtivas, está em outro extremo. Esse projeto tenta aproximar o país desses modelos — sem copiá-los. A diferença é que aqui o ressarcimento é obrigatório, não opcional.