Uma estreia que muda o tom do grupo
Uma zebra das grandes abriu a caminhada europeia rumo à Copa de 2026. Em Bratislava, a Eslováquia venceu a Alemanha por 2 a 0 no Tehelné Pole, na tarde de 4 de setembro (noite local), e mexeu com a hierarquia do grupo logo na primeira rodada. Gols de Dávid Hancko, aos 42 minutos do primeiro tempo, e de David Strelec, aos 55, selaram um resultado que a torcida local vai guardar por muito tempo.
Eslováquia x Alemanha começou com a seleção visitante favorita, elenco mais profundo e nomes de peso. Mas o jogo nunca foi sobre cartaz. Foi sobre execução. O time de Francesco Calzona defendeu com disciplina, ocupou bem a área e atacou com poucos toques quando teve espaço. Do outro lado, a equipe de Julian Nagelsmann teve mais posse, mas pouca clareza para agredir, pecando na definição das jogadas perto da área.
O 1 a 0 saiu no momento perfeito para os donos da casa. Faltando três minutos para o intervalo, Hancko apareceu para abrir o placar e mudar a conversa no vestiário. A partir dali, a Eslováquia passou a controlar o ritmo com ainda mais calma, sem se encolher completamente. A Alemanha voltou pressionando, tentou acelerar pelos lados, mas aos 55 Strelec ampliou. Dois gols, dois golpes: o segundo tirou o ar do time alemão e acendeu de vez o estádio.
O peso do resultado cresce quando se olha o contexto. A Alemanha vinha embalada por bons desempenhos recentes e uma base consolidada. Em Bratislava, porém, faltou conexão entre meio e ataque. Kimmich trabalhou por dentro, Wirtz tentou se mexer entre linhas, Gnabry procurou diagonais, mas a seleção esbarrou num bloco compacto, bem coordenado por Lobotka à frente de Skriniar e do próprio Hancko. Baumann, no gol, foi pouco exigido pelos eslovacos depois do 2 a 0 porque o jogo passou a pedir outra coisa: controle sem riscos.
Calzona montou uma estrutura simples de entender e difícil de quebrar. Linhas curtas, coberturas rápidas e agressividade medida na pressão. Quando a bola apertava, o time não tinha pudor em acelerar a transição – e é aí que Strelec brilhou, segurando zagueiro, abrindo espaço e aparecendo para finalizar. Não foi uma avalanche de chances. Foi eficiência. Chegou pouco, mas chegou do jeito certo.
O duelo também cobrou paciência da Alemanha, que se irritou com o encaixe físico e tático dos anfitriões. As advertências a Antonio Rüdiger, Karim Adeyemi e Maximilian Mittelstädt revelam esse cenário: quando o plano A não roda, sobra atrito, faltas cortando contra-ataques e interrupções que quebram qualquer embalo. A Eslováquia, por sua vez, não saiu do script. Seguiu marcando o tempo do jogo, respirou em bola parada e gastou posse quando precisava.
Se você procurar números para explicar a noite, vai encontrar a mesma história: posse com a Alemanha, controle com a Eslováquia. O relógio trabalhou para os anfitriões depois do 1 a 0. E o 2 a 0, tão cedo na segunda etapa, mudou a psicologia do gramado. A partir daí, cada minuto era um passo a menos rumo a uma vitória histórica – mais pelo adversário que pelo placar em si.
Individualmente, algumas peças chamaram atenção. Lobotka equilibrou a intermediária e deu o tom do jogo sem aparecer demais. Skriniar venceu duelos pelo alto e por baixo, anulando lançamentos e cruzamentos que buscavam o primeiro pau. Hancko viveu a noite dos zagueiros: firme atrás e decisivo à frente. No ataque, Strelec mostrou o valor de um 9 que finaliza com pouco espaço e lê bem a segunda bola. Do outro lado, Wirtz alternou bons movimentos com dificuldade para achar passe vertical, Gnabry teve raras situações de um contra um limpo, e Kimmich precisou recuar diversas vezes para começar a construção, deixando o time com pouca gente entre linhas.
Vale o registro sobre a atmosfera no Tehelné Pole. O estádio empurrou desde os primeiros minutos e abraçou o plano de jogo: celebrar cada desarme, cada inversão certa, cada falta inteligente para esfriar o ritmo alemão. Em jogos assim, detalhe vira combustível. A Eslováquia soube usar o fator casa sem exagero, sem entrar em bola dividida desnecessária, mas sem recuar o suficiente para convidar a Alemanha a cruzar 30 bolas na área.
O que muda para as seleções
O efeito imediato está na tabela: três pontos para a Eslováquia, zero para a Alemanha. Em um qualificatório longo, não é o fim do mundo para os alemães, mas é um aviso. Quem tropeça na estreia perde margem de erro cedo e passa a jogar sob pressão, especialmente quando enfrenta adversários que, na teoria, exigem vitória obrigatória.
A boa notícia para Nagelsmann é que o calendário dá a chance de resposta rápida. No dia 7 de setembro, a Alemanha recebe a Irlanda do Norte, às 15h45 (de Brasília). É jogo para ajustar a circulação de bola, acelerar na zona de criação e ser mais impiedosa na área. Seja com um 9 mais fixo para prender zagueiros, seja com mais presença de meio-campistas atacando a última linha, a seleção precisa transformar posse em finalização limpa. Também pode valer repensar a altura dos laterais para evitar cruzamentos previsíveis e atrair o rival para o centro, onde a qualidade técnica costuma decidir.
Para a Eslováquia, o desafio é outro: manter o nível mental e a organização fora de casa. Também no dia 7, o time visita Luxemburgo, às 15h45 (de Brasília). Jogo diferente, problema diferente. Não dá para depender apenas de transição quando o adversário provavelmente vai esperar atrás. Aí entram variações: laterais alternando projeção, meia chegando por trás para finalizar e bolas paradas com mais ensaios. Se souber transformar controle em chance sem perder a solidez, o time de Calzona volta com, no mínimo, um ponto que mantém a equipe no topo do grupo.
Em termos de cenário, a vitória desta quinta em Bratislava muda a conversa sobre o Grupo A. Em vez de uma caminhada previsível da Alemanha na liderança, surge uma disputa mais aberta, na qual pontos fora de casa e saldo podem virar critério de desempate importante lá na frente. Para quem briga por vaga, cada rodada passa a ser uma final disfarçada – e o recado da Eslováquia foi claro: não há jogo ganho no papel.
Também vale observar o aspecto disciplinar. Os amarelos do lado alemão acendem um alerta para a gestão emocional em jogos de controle difícil. Evitar faltas que desmontam a estrutura defensiva depois da perda da bola é chave para não se expor a bolas paradas e contra-ataques, exatamente a zona onde a Eslováquia decidiu o jogo.
Por fim, um ponto tático que deve orientar os próximos passos de cada seleção. A Eslováquia sai fortalecida com um modelo que permite alternar bloco médio e transição rápida sem perder organização. Não é um time que vai produzir 20 finalizações por partida, mas é uma equipe que transforma boas fases do jogo em gol. A Alemanha, por sua vez, precisa reencontrar a agressividade entrelinhas: receber às costas do primeiro volante adversário, atrair e girar rápido, pisar na área com mais gente. Sem isso, a posse fica estéril e o adversário respira até achar sua chance.
Rodada 1 entregue, tabu social quebrado e um recado claro para o restante das Eliminatórias: a camisa pesa, mas o plano pesa mais. A Eslováquia provou isso em Bratislava. Agora, o relógio corre para o dia 7, com Alemanha x Irlanda do Norte e Luxemburgo x Eslováquia desenhando a cara inicial do grupo.